Enquanto a minha inspiração está dormindo (e eu também, que estou sonolenta), um texto de um cronista muito "arretado".
Alívio caipira
Mário Prata
Eu devia ter uns 15 anos quando tomei a minha primeira caipirinha. A gente nunca esquece; cachaça, limão e açúcar. Pouco açúcar, sempre. Com o passar do tempo, foram surgindo caipirinhas com sabores de vodka (e ainda deram o terrível nome de caipiroska). Caipirinha de uísque. E, acredite quem quiser, aqui na Ilha tem caipirinha de vinho tinto. E chega até a ser tragável.
Mas eu não podia admitir que uma das únicas bebidas nacionais fosse servida com vodka, ou uísque. E quer me irritar é usar lima-da-pérsia. Nacionalista, durante 40 anos só tomei caipirinha de cachaça e cheguei algumas vezes a me irritar com cardápios que destruíam a cultura brasileira com caipiras - no mínimo - countries.
Era uma atitude política. Assim como preferir o Bauru ao MacDonald's. Éramos revolucionários, nacionalistas, de esquerda, para usar uma palavra que não se usa mais. Nunca tomei uma caipirinha de vodka. Até domingo passado.
Entrei no bar e pedi uma caipirinha de vodka com pouco açúcar. Mas ainda não tive a coragem de pronunciar a palavra caipiroska.
E pedi sabendo que esta minha decisão tem muito a ver com a eleição do Lula para ser o nosso presidente. Não sei se me faço entender, mas com o homem lá, posso tomar minha vodka no lugar da cachaça. Posso ir ao MacDonald's e comer aqueles negócios. Que, aliás, são bons.
Com a subida do Lula ao poder, é uma boa parte da minha geração que tanto brigou com os Estados Unidos e suas influências, que chegou lá em cima. Me passa a impressão de que o Brasil vai voltar a ser brasileiro de novo. Que vai voltar a cachaça, o Bauru e a mortadela. Periga voltar até mesmo a "mortandela".
Tem tanta coisa boa para voltar, já percebeu? Principalmente um prato de comida, um cafezinho e o cigarrinho de rolo para ser pitado de cócoras. Viva o bife a cavalo, a carninha moída, a carne-de-sol e o sol propriamente dito que começa a aparecer.
Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil.
Tudo isso, cara, é para chegar ao futebol. Não vi o Lula falando muito em esportes profissionais na sua campanha. Mas acontece que vai ter time grande caindo para a segunda divisão. E vai ter virada de mesa. E eu queria saber muito como vai se portar o novo governo brasileiro diante disto. Está mais do que na hora de democratizar o futebol brasileiro, acabar com esta tal (estatal?) de CBF. Criar o Ministério do Futebol, minha gente. Não podemos perder a cachaça, o churrasquinho de gato nem o futebol.
Peitar o FMI vai ser moleza. Quero ver é como vai ser com os cartolas e com a corrupção que faz com que nossos craques vão jogar até na China.
Vamos trocar a Fome Gero pela Fome Zero.
Poderemos continuar a tomar caipiroska. Não me importo mais, porque sei que a verdadeira caipirinha chegou - finalmente - a Brasília. E acho também que - tinham de detonar este nosso Hino Nacional pela Aquarela do Brasil.
Brasil, meu Brasil brasileiro... Já pensou na Copa do Mundo, todo mundo cantando? E, em vez daquelas caras carrancudas de jogadores ouvindo o hino - e tentando cantar -, já poderia começar ali mesmo a ginga dos nossos jogadores.
Lula, vamos levar o samba e o forró para Brasília.
Chega de academicismo. "Prepare seu coração, pras coisas que eu vou contar, ele vem lá do sertão e pode não lhe agradar."
Aprendemos a dizer não e espero que agora, no meu país, as pessoas não cantem mais que "vence na vida quem diz sim".